Canto de Página
Heróis sem medalhas
Pedro Moreira
Professor de Português, revisor, consultor,
autor dos livros “Casos & Coisas do Pará Antigo”,
“Cronicontos” e “O Pássaro e a Dona & Outros Textos”.
Recentemente, uma greve de lixeiros promovida numa cidade italiana trouxe à baila a importância desses serviçais. Montanhas de pacotes de toda espécie espraiaram-se pela paisagem das ruas, avenidas e praças, sem contar o azedo cheirinho que inundou o ambiente, de ponta a ponta.
Caro leitor, certamente você já testemunhou o notável serviço prestado por nossos lixeiros em sua faina diária de recolher os restolhos das residências, do comércio e das fábricas. Sabe não ser nada convidativo conviver com aqueles volumes contaminados por todo tipo de bactérias e inalar o odor fétido do que foi refugado por outros. São uns heróis esses humildes assalariados da Prefeitura, executores de um trabalho tão digno, ou mais, quanto aquele desenvolvido à sombra, com água fresca, sem importância imediata para a vida de uma comunidade. Já os vi trabalhando debaixo de chuva, ao sereno de noites frias, estranhamente sem os apetrechos preventivos de sua saúde, sem o auxilio de luvas, botas e máscaras antipoluentes.
Dia a dia, vemos nas ruas centrais os catadores de bagulhos, tocando pesadas engenhocas abarrotadas de tralhas, de variada espécie: latas, garrafas, caixas de papelão, pedaços de móveis, sapatos, o diabo a quatro, destinados aos ferros-velhos, de onde saem para reciclagem em indústrias negociadoras de refugos. Alguns desses trabalhadores (que belo serviço prestam à cidade!) são bem-humorados, a ponto de ostentarem nas laterais de seus “veículos” mensagens irônicas do tipo “Mulher que chora, homem que jura”, “Mentira pura”, ou pérolas da filosofia popular, como “Dinheiro não traz felicidade, mas dá um charme...” passam a jornada colhendo sua trenheira, às vezes contando com a ajuda da mulher e de filhos crianças. A féria do dia, uma bagatela, é logo convertida em alimentos para a família.
Benditos os catadores de bugigangas! A cidade não teria o sonhado ar de limpeza nem o trânsito livre das calçadas, não fossem eles! A menos que as ruas ficassem atopetadas de horríveis (mas tão úteis!) caçambas coletoras de restos.
E os garis, heim? – esses outros heróis sem medalhas, a quem o poder público delega a nobre função de varrer as artérias da cidade? Paramentados com seus uniformes identificadores, munidos de vassourões, lá vão eles/elas vencendo as distâncias, tocando seus carrinhos, juntando o lixo atirado no chão pelas pessoas nem tanto educadas e pela displicência das árvores, em sua ânsia de se livrar das folhas e galhos mortos.
A varrição, certamente, lhes custa sofridas dores pelo corpo; os braços ressentem a movimentação incessante dos músculos, a boca e os olhos se ressecam, as pernas doem de tanto movimento em passos miúdos.
Benza-os Deus, que podemos contar com o trabalho desses heróis ecológicos, tão pequeninos na sua humildade, tão gigantes na grandeza de seu trabalho!