Canto de Página
Das bexigas às teclas
Pedro Moreira
Professor de Português, revisor,
consultor, autor dos livros
“Casos & Coisas do Pará Antigo”, “Cronicontos”
e “O Pássaro e a Dona & Outros Textos”.
De par com os estudos, iniciados no Grupo Torquato de Almeida, sob a batuta da professora Geralda Mendonça e, posteriormente, no Governador Valadares, com dona Aurora Amaral, desfrutei os folguedos da idade, tão diversificados quanto divertidos e formadores de minha personalidade. Ao cair da noite – o luzeiro da Lua e das estrelas salpicando a escuridão do céu – fazíamos da rua Benedito Valadares, entre a Vigário Paulino e a do Rosário, um parque de recreio, cada grupo ocupado com seu lazer. Havia de tudo: meninos tocando arco, meninos andando de bicicleta, meninos brincando de mocinho e bandido, meninos brincando de amarelinha, meninos jogando futebol com infladas bexigas de boi, meninas brincando de roda ou corda, meninos entretidos com jogos de esconde-esconde e pique – uma alegria só. Uma vez ou outra, passava um veículo para quebrar o ritmo das brincadeiras.
Havia um rapazinho meio espoleta e malicioso que apreciava aterrorizar as crianças mais novas. Em cima de um muro, à noite, ele colocava um mamão verde sem miolos, furado a canivete, de jeito a imitar uma caveira; só que, lá dentro, tremulava uma vela acesa... Esse mesmo garoto, o mais velho de todos, de vez em quando se vestia de capeta – um diabinho vermelho em brasa, bem paramentado: chifres pontudos, rabo e tudo o mais – e saía saltitante rua afora, em incessantes movimentos dos braços, a infernizar as crianças pequenas. Umas, depois de levar uma carreira dessa bizarra figura, iam esconder-se espavoridas debaixo da cama... Mas tudo era uma festa de espanto e risos. Pelas dez horas, a rua voltava a seu silêncio triste. Era o “toque de recolher”, decretado pelos pais e obedecido à risca.