Canto de Página

Haja “sujismundos”!


Pedro Moreira
Professor de Português, revisor, consultor, autor dos livros Casos & Coisas do Pará Antigo, Cronicontos e O Pássaro e a Dona & Outros Textos.
Recentemente, um amigo e eu testemunhamos o nível em que anda a educação cívico-ecológica de nosso povo. Num dos pontos centrais da cidade, uma bela jovem estacionou o carrão no lado oposto da rua e, aboletada em sua poltrona, pôs-se a remexer a elegante bolsa. Desafiando nossa presença, ao cabo de longos minutos atirou pela janela uma barafunda de notas velhas de compras, cartelas de loteria, canhotos de cheques, maços amarfanhados de cigarros, até uma revista. Livre do entulho, a belezoca acionou o carrão e sumiu adiante. No asfalto, a marca de sua educação.

Meu amigo e eu ficamos naturalmente perplexos diante da lastimosa cena. A pouca-vergonha da moça poluidora estarreceu-nos a ponto de despertar em nós profunda indignação. Aquele nisto de ousadia, falta de caráter e civilidade não calhava com o aparente nível de nossa personagem trapalhona: rosto saudável e bonito, endinheirada, bem-situada nos degraus convencionais da vida, mas casca-grossa em questão de educação ambiental.

* * *

X mora num bairro quase central. Da sala de sua casa, é possível devassar a varanda de uma residência vizinha, nem tão distante. Aos domingos, beirando o meio-dia, ouve-se a algazarra de rapazes e moças estourando latinhas de cerveja. “Até aí, nem tanto” — diz meu amigo X, morador no bairro Y. “O pior é o que vou lhe contar. A moçada vai atirando as latinhas vazias, às dúzias, num lote contíguo à residência, por sinal muito malcuidado.

Não lhes importa que seja esse um comportamento de cafajestes” — informa o irônico X. E completa, com uma tristeza no olhar: “Por mal dos pecados, o vizinho dos fundos é outro tremendo “sujismundo”. Sua empregada tem ordem para lançar no mesmo lote as sobras da comilança diária da família. Os ratos já devem ter organizado sua confraria no local, tamanha a variedade de comida: feijão, arroz, carnes, massas de todos os tipos e sabores, sem contar as sobremesas. Enfim, proteínas para nenhuma ratazana botar defeito”.

E assim vamos tocando a vida...

* * *

Ludmila assistiu, outro dia, a uma cena igualmente deplorável, digna de ser filmada para o arquivo das lamentações. Também numa sossegada rua de bairro, uma senhora “varria” o passeio com sua mangueira. De repente, toca-lhe o celular, espetado no bolso do short. Sem nenhuma preocupação de desligar a torneira do jardim, displicentemente ela atira ao chão a mangueira e se põe a papear ao telefone. “A dona deve ter espichado a conversa por uns bons dez minutos” — calcula a vigilante Ludmila.

Fiquei imaginando a cena de uma típica burrice galopante: a água jorrando sarjeta afora, o hidrômetro registrando o crime em números, e o indiferentismo estampado na cara da proprietária, decididamente uma irresponsável.

* * *

Pensando bem, vivemos cercados de carrascos do meio ambiente: o atrevido que descarta pneus velhos em quintais, terrenos baldios e rurais ou à beira de estradas; o sem-educação que atira detritos pela janela, poluindo a rua; o sem-consciência que transforma sua casa num fumódromo, pouco lhe importando que a fumaça vá molestar toda a família, até mesmo idosos e criancinhas; o inimigo das árvores, carrasco das plantações. Ele ateia fogo às matas, por instinto selvagem; o “colecionador” de entulhos. Seu quintal é um depósito de cacaréus de construção, moradia de ratos, escorpiões e baratas. Haja “sujismundos”!