Canto de Página

Gafes, gafes, gafes...


Pedro Moreira
professor de Português, revisor, consultor, autor dos livros Casos & Coisas do Pará Antigo, Cronicontos e O Pássaro e a Dona & Outros Textos.
Sou um renitente crítico dos concursos, testes e tudo o mais utilizado para avaliar a suposta competência nossa de cada dia. Não que eles sejam um mal em si, mas pela distorção que sofrem. Há casos escabrosos em que gênios foram sumariamente eliminados (e desmoralizados) em certames, deixando às escâncaras os duvidosos critérios adotados pelos malditos sistemas de avaliação.

Um exemplo clássico ocorreu com João Guimarães Rosa, o mesmo que, em companhia de Machado de Assis, ocupa o topo da prosa literária no Brasil. Com o livro Grande Sertão: Veredas, Rosa concorreu, ainda desconhecido, a uma premiação da Academia Brasileira de Letras. Coube ao jovem poeta maranhense Ferreira Gullar, na condição de relator e jurado, cometer a gafe histórica ao tachar o romance de uma simples história de jagunços. Qualificou a obra, hoje um clássico da língua portuguesa, como um trabalho desprezível, escrevendo esta atrocidade ao final de seu parecer: “Não consegui passar da página 70...”

Viram como não falta gente corajosa para considerar Grande Sertão uma obra de somenos importância? Outro caso não menos traumático: certa vez, em Londres, instituiu-se um concurso de imitadores de Carlitos, o genial Charles Chaplin. Na hora de os candidatos revelarem a identidade aos jurados e ao público, uma baita surpresa: o classificado em terceiro lugar não era outro senão o próprio Charles Chaplin, em carne e osso! Ora, a rigor ele deveria impressionar pelo desempenho mais que perfeito, diferenciado, e abiscoitar um sereníssimo primeiro lugar. A comissão julgadora, com cara de tacho, não soube o que dizer diante da modesta classificação do gênio do cinema.

Moral da história: concurso nem sempre cumpre sua finalidade de selecionar. Muitas vezes fala mais alto a incompetência de quem julga — ou prejudicando os capacitados, ou beneficiando quem não merece contemplação. As exceções, felizmente, estão aí à vista. Que eu próprio, na qualidade de professor, o diga, em face do êxito de inúmeros alunos, reconhecidamente brilhantes que, submetidos a concursos honestos e bem formulados, hoje ocupam cargos à altura de sua inteligência.
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A interpretação de textos em provas, exames vestibulares e concursos públicos longe está longe de ser matéria pacífica na área educacional. Aos candidatos paira a impressão de que leitura é um enigma a ser decifrado a cada passo, quando em princípio é uma mensagem prazerosa a ser recebida e codificada espontaneamente pelo cérebro. Em muitos casos, porém, a má formulação das questões derruba qualquer inteligência. Isso é um contra-senso. Há casos cômicos nessa área da interpretação de textos. Sirva de exemplo o que me narrou o jornalista e escritor Jorge Fernando dos Santos, do “Estado de Minas”. Foi ele procurado por alguns alunos de importante colégio de Belo Horizonte. Haviam fracassado numa “prova de interpretação de texto”, justamente uma crônica de Jorge, e agora pediam sua orientação. Lá foi ele, o escritor, responder às perguntas. Pois bem, houvesse feito a prova, o pai do texto (vejam só) obteria míseros quatro acertos num total de dez questões! Por aí vemos como o sistema não é nada confiável. Fato semelhante ocorreu com o escritor Luís Fernando Veríssimo.

Só queria ver a cara dos formuladores das questões. Como terá ficado?...