Canto de Página

Mundo imundo




Pedro Moreira
Professor de Português, revisor, consultor,
autor dos livros “Casos & Coisas do Pará Antigo”,
“Cronicontos” e “O Pássaro e a Dona & Outros Textos”.
Desde que o mundo é mundo, a corrupção, a bandalheira (ação de “bandalho”, isto é, indivíduo sem escrúpulo), a falta de caráter, a violência, o compadrio, o avanço no dinheiro público e tantas outras mazelas viraram uma espécie de marca registrada do planeta. (Uma curiosidade: mundus, na língua latina, significa puro, imaculado. Afinal, a Terra, no início, era uma redoma de imaculada pureza, o ser humano ainda não havia degradado tamanha maravilha. Daí foi possível formar o adjetivo “imundo”, cujo significado lembra obviamente emporcalhadas condições ou situações...)

Se voltarmos aos tempos bíblicos, logo ao raiar da humanidade vamos flagrar um ato de explícita violência: o enciumado Caim não se conteve e deu cabo de seu único irmão, o pacato Abel, mesmo sabendo estar sob a mira do Criador das estrelas. Ainda a Bíblia nos lembra que o pérfido Judas vendeu a Cristo por trinta moedas de prata, certamente uma propina capaz de ouriçar a cabeça de muito gatuno engomadinho. Vejam bem, o perverso Judas Iscariotes vendeu ninguém menos que o filho de Deus!...

Meu nobre leitor deve conhecer a história do nome “larápio”, que em português claro quer dizer ladrão. Vamos a ela: na Roma antiga, o Império era servido (ou desservido?) por um ministro chamado Lucius Amarus Ruffus Appius. Acontece que essa bizarra criatura se assinava pelas iniciais, ou seja, L.A.R.APPIUS, formando o nome LARAPIUS. Coincidentemente, o ministro Lucius, guardião das finanças do Império, não era flor de cheirar, em se tratando de honestidade. Metia os cinco dedos onde não devia. Daí à criação do termo “larápio” foi um passo.

Aprendemos no colégio que Pero Vaz de Caminha, escrivão-redator da frota de Cabral, em sua famosa carta a Dom Manuel sobre o achamento do Brasil, pedia-lhe a mercê de um cartoriozinho para um sobrinho seu. Pronto, estava instalada aqui a praga do nepotismo. Quase 159 anos depois, o grande padre Vieira, discorrendo sobre o corrupto processo colonizador português, lamentava num sermão: “Perde-se o Brasil porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar (promover) nosso bem; vêm buscar (roubar) nossos bens”. (O termo “corrupto”, na sua origem latina, significa podre, fétido. Daí que...)

Nos tempos de hoje, caso alguém se dê, com infinita paciência, ao trabalho de rastrear as malandragens que campeiam por aí, serão necessários grossos volumes para enfeixa-los. Não se pense que esse fenômeno seja exclusivamente do Brasil. Afinal, a desonestidade não tem pátria. Corre, a propósito, uma historinha: cientistas japoneses inventaram um fabuloso aparelho para detectar ladrão. Basta que o cidadão apóie a palma da mão numa chapa de metal; se acender a luzinha verde, parabéns! Trata-se de um sujeito íntegro, confiável a toda prova. Caso acenda a luzinha vermelha, xô, ladrão descarado! Os cientistas saíram, então, mundo afora a fazer experiências. No próprio Japão, numa praça pública, registrou-se o expressivo numero de 80 honestos num universo de 100 testados. No centro de Londres observou-se que 60 eram pilantras. Nos Estados Unidos, em 200 testados, 149 eram mal-intencionados. Na Argentina, em 120, escaparam 50 indivíduos íntegros. Eis que os cientistas chegaram a Brasília. Mas, decepção. Aqui não puderam fazer nenhuma experiência: enquanto a equipe japonesa lanchava, a máquina pega-ladrão foi surrupiada em pleno aeroporto...